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As mudanças na América Latina e o regionalismo


As mudanças que estão ocorrendo no cenário latino-americano estão afetando o modelo de regionalismo pós-liberal dos anos 2000.


O primeiro fator que afeta a dinâmica regional é a formação da Aliança do Pacífico. O bloco aglutinou quatro países cujas economias seguem uma orientação de abertura para o comércio internacional e que, com exceção do México, são países sul-americanos e associados ao Mercosul. A Aliança do Pacífico trouxe de volta à região debates sobre a recuperação de um regionalismo aberto, que caracterizou os anos 1990, assim como percepções de uma América do Sul dividida entre duas visões diferentes de regionalismo: a UNASUL e o MERCOSUL de caráter pós-liberal em contraposição à opção de abertura comercial e aliança com países da Ásia-Pacífico. A formação da Aliança do Pacífico desafiou a estratégia brasileira com o retorno do modelo do regionalismo aberto.


Esse cenário vem acompanhado da manutenção de um comportamento distante por parte dos Estados Unidos e da ausência de uma política norte-americana estruturada de caráter regional. Foram mantidas as iniciativas de enfoque bilateral e seletivo, com a assinatura e manutenção de tratados de livre comércio. Mas o manejo dos fortes traços de assimetria e divergências no interior da região em termos de visões sobre a política e políticas macroeconômicas tornou-se mais difícil.


A aproximação da China com a região foi marcada também pelo bilateralismo e pela ausência de uma resposta nos marcos das instituições regionais. A China vem estabelecendo vínculos cada vez mais fortes com países da região. A aproximação, porém, é prioritariamente econômica (no campo comercial e de investimentos).


Suas parcerias políticas durante o período foram seletivas, com destaque para parcerias com a Venezuela e com o Brasil no grupo do BRICS. A dependência comercial de países da região em relação à China foi sendo construída com rapidez e em termos bilaterais; não houve uma resposta coletiva articulada e não favoreceu o avanço das instituições regionais.


A dinâmica da governança regional perdeu incentivos durante o governo de Dilma Rousseff. Embora a presidente tenha buscado reproduzir a estratégia para a região adotada no mandato de Lula, a vontade política demonstrada por este de articular visões favoráveis à construção de uma liderança regional não foi mais sustentada. A UNASUL, herdada do governo anterior, seguiu ocupando o lugar de referência da atuação brasileira na região mas, na prática, a ascensão de Rousseff esvaziou a dimensão política do comportamento brasileiro. As obras de infraestrutura foram sendo reduzidas e algumas interrompidas pela crise econômica vivida no Brasil e pelo envolvimento de muitas empresas de infraestrutura com corrupção. Houve mudanças e descentralização no policymaking da política externa e a assessoria da presidência ocupou-se das crises políticas na América do Sul. O Brasil deixou de ser o ator estruturador das instituições regionais, influente sobre a configuração regional e definidor de agendas.


A morte de Hugo Chávez, em 2013, por outro lado, reduziu o ativismo da Venezuela na construção e fortalecimento da ALBA, que começou a enfrentar uma retração. A crise da economia e da política venezuelanas instaurou no bloco uma situação de inércia, e os investimentos financeiros do governo de Chávez nos países membros ficaram limitados. Com isso, o papel do soft power venezuelano como elemento fortalecedor de um tipo de regionalismo pós (e mesmo anti) liberal foi posto em compasso de espera.


As crises econômicas decorrentes da queda no preço do petróleo e problemas de gestão atingiram a estabilidade de outros países da região. Diversos países com governos progressistas experimentaram problemas econômicos, junto com contestações e problemas políticos internos. Esse processo favoreceu o enfraquecimento dos ideais das esquerdas do continente. A eleição de Maurício Macri, na Argentina em finais de 2015 e o afastamento de Dilma Rousseff, no Brasil, foram marcos importantes no desmonte de uma comunidade epistêmica pró-integração orientada por um regionalismo pós-liberal que teve um papel importante na criação tanto da UNASUL quanto da CELAC.


Mais para o final do período, um fator importante atuou negativamente sobre o regionalismo consolidado durante a década de 2000. O reatamento das relações diplomáticas dos Estados Unidos com Cuba e a reincorporação do país à OEA levantaram indagações sobre o futuro de uma identidade latino-americana. Como pontua Leandro Gavião, o papel que uma alteridade em relação aos Estados Unidos ocupou historicamente foi importante na construção de uma identidade regional. A expulsão de Cuba da OEA incentivou essa alteridade e fortaleceu as iniciativas do Grupo do Rio e, depois, da CELAC. A luta pela reincorporação de Cuba por muito tempo foi um fator de coesão de um regionalismo latino-americano. A coexistência da CELAC com uma OEA completa será marcada por uma sobreposição e ainda não está claro como vai se estruturar.


Miriam Gomes Saraiva é professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais (PPGRI/UERJ). Doutora em Ciência Política pela Universidad Complutense de Madrid. Pesquisadora vinculada ao NEIBA. E-mail: miriamgsaraiva@gmail.com.


É permitida a reprodução do conteúdo publicado, desde que mencionada a fonte:

SARAIVA, Miriam Gomes. As mudanças na América Latina e o regionalismo. InfoNEIBA: Jornal Informativo do Núcleo de Estudos Internacionais Brasil-Argentina, Rio de Janeiro, ano IV, n. 1, p. 3, jan.-jun. 2016.

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